segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cego com um tiro no escuro.

Ele permanece quieto.
Tenta esconder até o barulho de sua respiração.
Não há mais ninguém com ele.
Haveria se ele desse uma chance.
Mas sempre fez questão de ficar sozinho e em silêncio.
As suas lembranças sempre o machucam tanto...
Ele não abre mais seus olhos no escuro.
Tem receio que aqueles jovens olhos mortos o perturbem novamente.
Ele solta a fumaça devagar...
Como se parecesse que era a última vez que fumava.
Mesmo que se alegrasse não conseguia esconder a tristeza.
Ele precisava de um horizonte mais perto.
Que não esticasse tanto sua visão.
Ele fica mudo.
Quase não consegue ver suas mãos.
Acho que desistiu da vida.
Acho que sente preguiça de viver.
Acho que o desgosto agora é quem comanda seus passos.
Ele gosta das metáforas das fábulas...
O seu céu não é tão azul e cintilante.
Nem mesmo o vento traz de volta.
Mais motivos para sentir.
Sentir frio ou febre.
Calado e cego.
Assim que vivia.
Sem ter sonhos.
Nem ambição.
Pensamentos não traziam de volta.
Ninguém o trouxe de volta.
De seu canto sujo e escuro.
Tanto como a noite.
A noite não é escuridão.
Ele pensava.
Pensava em sorrir.
Mas não conseguia.
Morria aos poucos.
Mas morria.
“Não há sentido além da morte, não há razão além do prazer.”
Ele concordava e discordava em partes.
Partes que não são iguais.
Tudo que é recíproco é falso.
Só pode ser falso.
Pois ninguém é recíproco.
O quanto às pessoas gostariam.
Ele solta fumaça.
Seus olhos permanecem em silêncio.
E aos poucos se tornam rubros.
Angústia depravada.
Felicidade anti-recíproca.
Ninguém tem motivos pra sorrir.
Exceto pelas conveniências.
Tolas e vulgares.
Todos querem ver o nosso narcisismo fútil.
Piada sem graça.
Rude com os pais.
Rude com todos.
Todos o representam uma ameaça.
Todos sorriem.
Ele odiava ver esboços de famílias perfeitas.
E muito menos ver pessoas sorrindo.
Sentia ódio pela vida que foi concedida.
Através de um erro banal.
Então ele dorme sempre com sua arma engatilhada na cabeceira.
Ele pensa.
Ele chora.
Ele tenta.
Não consegue.
Não consegue viver pra sempre.
Com tantas farpas nos olhos.
E contava os dias pra que tudo terminasse.
Seguia a esmo uma vida de mentiras.
Uma vida que parece uma fábula.
Mas sem metáfora.
Fábula que não tem final feliz.
Que não tem nada.
Nem mesmo palavras.
É apenas um livro vazio.
Que todos podem imaginar um conto.
Mas ele não via nada.
O livro não tinha capa.
Apenas um punhado de folhas brancas.
Como se fossem folhas brancas de uma árvore morta.
Arvores mortas não purificam o ar.
Todos sabem disso.
E todos querem morrer sem ar.
Todos ficam sem ar após a morte.
E após a tormenta.
Vem a calmaria.
Mas ele não acredita em calmaria.
Só na tormenta.
Que viram os barcos.
E afogam e ao mesmo tempo afagam os marinheiros.
O destino da morte dos marinheiros é morrer afogado.
Pra não ser contraditório.
Ele olha pela janela e não vê nada.
Pois é quase cego.
Ele grita pela janela e ninguém escuta nada.
Pois é quase mudo.
Muitos esperam encontrar a alegria através do narcisismo do outro.
Mas ele não tem narcisismo e nem alegria.
Quanto mais o tempo passa.
Mais percebe que seu futuro não existe.
Porque ele não sai do lugar.
Ele não se move.
Não busca estrelas.
Porque o céu pra ele não diz mais nada.
Um estrondo.
Ele cai.
Seus olhos agora se tornaram cegos de vez.
Ele não estranha isso.
Pois fazia muito tempo.
Que tinha se acostumado.
A não enxergar e a não viver.
Cego com um tiro no escuro.




Jeferson Guedes

05/12/09

Um comentário:

  1. forte e tocante, come together, parece com essa música dos Beateals, tem uma força e tem um toque noir.

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