quinta-feira, 5 de agosto de 2010

As penas dos anjos

Nessa vida os anjos não tocam corneta
Nem flauta
Nessa vida os anjos fumam
E se drogam
Aqui deus não é acolhedor
E nem te perdoa de nada
Aqui deus nada mais é que um mendigo
Que pede esmola
Nessa vida os bons não têm vida
Aqui os bons são mortos na praça
Aqui tudo é desigual
Um tem tudo
Meia dúzia não tem nada
Aqui se faz um texto
Cheio de mágoa
Mas a mágoa que surgiu aqui
Surgiu da raiva
Aqui seus amigos são apenas amigos
Na guerra ninguém ama ninguém
E nem mesmo aqui
Na paz mórbida
Ninguém te salva
Ninguém te ama
Saturno devorava os filhos
Cristo deu a vida
Caim sacrificou o irmão (se não me engano)
Ou foi o filho?
Bom...
Isso não importa
Quando eu era criança
Eu assisti um filme sobre a páscoa
Lembro que quando cristo
Estava sendo crucificado
Ele disse
“Oh! Pai porque me abandonaste?!”
Eu lembro da expressão que o ator fez...
Ele representou muito bem aquela cena
Foi um puro desespero
Sei lá
Guardei isso comigo
Aquela cena
Talvez por culpa do meu pai
Ele me abandonou e me crucificou também
A viver essa vida de desconfiança
Depois disso...
Nem na minha mãe confiei mais
Aqui os anjos não tocam harpa
E sim cheiram cola
Anjos são aqueles que buscam alguma coisa
Mesmo que nunca encontrem
Mesmo que a busca seja em vão
Aqui deus não é todo poderoso
Ele quer apenas seu dinheiro
Para comprar alguma coisa forte
Pra poder dormir na calçada
Aqui nesse texto
Não tem glória
Aqui não tem misericórdia
Aqui só tem mágoa
Mágoa da revolta
Raiva por ter sido deixado
Raiva que se transformou em meu abismo
Que meu abismo tem chão, eu sei
Mas não tem escada
Aqui os anjos não dizem amém
Aqui não tem anjo da guarda
Aqui tem apenas vícios
Aqui não tem mais nada
Aqui os anjos perderam as asas
Ou acho que as asas estão quebradas
Pois nunca vi algum anjo voando
Aqui nesse texto
Eu declaro
Tudo que eu sinto
É o cheiro das penas
Queimando com o meu cigarro



Jeferson Guedes

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